quarta-feira, agosto 12, 2009

Pela próxima passagem

Baseado no conto “Homens comuns” de Jordana Seixas Alexandre.


Quando não acordou, depois do gritar constante e desafinado do despertador eletrônico, soube – com a certeza mais crua de sua existência simples – que não mais acordaria. Não viu seu corpo molemente estirado sobre a cama, nem a luz fúnebre e esverdeada que tem todas as coisas quando uma alma vai-se embora; não tinha mais olhos para ver o mundo vivente, compreendeu quase imediatamente; estava desligado para sempre do que era terreno.

Adejou seus braços, para abraçar a si, talvez confortar-se a si. Mas não eram braços. Pairando sobre as cabeças dos amores de sua vida, nada viu, mas buscou. A vida não era mais sua, anuiu. De súbito abriu os braços e galgou os céus, como se soubesse o caminho.

Abaixo o cinza tomou conta, borrando as imagens, abstraindo o que não mais lhe pertencia. Ele soube, pela cor, que estavam a volta de seu corpo, chorando sua partida. Embalado pela voz de sua irmã, a canção pedida para o fim, fez um eco doloroso permear o vento entre suas asas:

“Sorri, porque o suspiro de quem se vai, não volta
Cantei para que a passagem seja contigo a vida inteira”*

Em vida, só desejou morrer antes de seus amores, para não sentir a dor da ausência. Morto, só desejou, na próxima ida, ser menos egoísta.

*Música PASSAGEM, de Rosa Silva

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